O ITCMD e as operações oriundas do exterior
A Constituição Federal de 1988, por meio do art. 155, I, outorgou aos Estados e ao Distrito Federal a competência para instituir e cobrar o imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação, de quaisquer bens ou direitos, conhecido popularmente pela sigla ITCMD.
Entretanto, a Constituição Federal determinou que fosse editada lei complementar para definição de competência para que os Estados e Distrito Federal pudessem instituir e cobrar o ITCMD nas seguintes hipóteses: a) doador com domicílio ou residência no exterior; e b) de cujus que possuía bens, era residente ou domiciliado no exterior ou o seu inventário tenha sido processado no exterior.
Acontece que até hoje, passados mais de 34 (trinta e quatro) anos desde a promulgação da Constituição Federal, ainda não foi editada a lei complementar exigida como requisito para a tributação das operações causa mortis ou de doação provenientes do exterior, mas alguns Estados, como São Paulo, editaram leis estaduais prevendo a cobrança do ITCMD nas hipóteses envolvendo doações e heranças recebidas do exterior, sob a justificativa de que estariam exercendo a competência legislativa plena também prevista nas normas constitucionais.
Ocorre que, após diversos questionamentos por parte dos contribuintes em relação à constitucionalidade dessa cobrança, recentemente, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que os Estados não poderiam instituir o ITCMD sobre hipóteses envolvendo doações e heranças recebidas do exterior, sem a edição prévia da lei complementar.
Tal decisão foi tomada em sede de repercussão sobre a matéria constitucional no Recurso Extraordinário 851.108/SP, e fixou a seguinte tese: “É vedado aos Estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a edição da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional”
Dessa forma, os Estados-membros não poderão realizar a cobrança de ITCMD nas hipóteses em que o doador for domiciliado no exterior ou o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior, a fim de se evitar possíveis conflitos de competência e, por efeito, guerras fiscais, o que gera insegurança jurídica para os contribuintes.
Curiosamente, em 04 de abril de 2023, ou seja, após o julgamento do tema pelo Supremo Tribunal Federal, a Secretaria de Fazenda do Estado de São Paulo publicou a Solução de Consulta Tributária n.º 25.343/2022, na qual ao analisar um caso de Trust constituído no exterior, afirmou que, a pesar da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, o art. 4º, da Lei Paulista n.º 10.705/2000, se mantém vigente e válido, sendo, então, devido o ITCMD ao Estado de São Paulo nas situações envolvendo o exterior.
Visualiza-se uma atitude reprovável da Secretaria de Fazenda do Estado de São Paulo, que, muito provavelmente, fará com que a matéria seja objeto de litígios no âmbito do Poder Judiciário, causando insegurança jurídica para os contribuintes e desprezando totalmente a decisão do Supremo Tribunal Federal.
É importante dizer que como o ITCMD é um imposto de competência estadual, deve ser sempre analisada a legislação do Estado onde se encontram os donatários e herdeiros, pois nem todos os Estados efetivamente exigem o imposto sobre operações com o exterior. E, caso o Estado exija, como vimos, esta desobedecendo uma decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, podendo ser questionada judicialmente.